Em 2017 um novo fenômeno tecnológico movimentou US$ 5,6 bilhões mesmo sem regulação específica por Estados e autoridades financeiras.
Este fenômeno diz respeito as moedas digitais ou criptomoedas: chaves eletrônicas salvas em uma base de dados pública chamada blockchain. Esta, por sua vez, funciona como um livro-razão, onde os registros das transações não podem ser alterados e os usuários são anônimos.
A tecnologia por detrás das transações é descentralizada, ou seja, cada usuário serve como "ponte" para processar e validar as transações. Essa característica impossibilita estabelecer intermediadores nas transações, como Bancos Centrais e autoridades reguladoras. Assim, toda movimentação se dá diretamente entre os usuários, em escala global, principal razão pela qual Estados e autoridades financeiras não conseguem controlar ou manipular as criptomoedas.
De forma geral, as moedas virtuais são utilizadas como meio de pagamento para compra e venda bens móveis ou imóveis, bens fungíveis ou infungíveis, serviços, ou como ativos para investimento em bolsas de criptomoedas.
Por ser uma tecnologia disruptiva, os Países têm enfrentado dificuldades para conceituar juridicamente as moedas digitais e assim regulamentar seu uso. Em que pese a falta de regulamentação, é certo que as transações envolvendo as moedas geram repercussão financeira e, consequentemente, são alvo de tributação.
No Brasil, a Receita Federal entende que as criptomoedas apesar de não serem "consideradas como moeda nos termos do marco regulatório atual, devem ser declaradas na Ficha Bens e Direitos (do Imposto sobre a Renda) como "outros bens", uma vez que podem ser equiparadas a um ativo financeiro. Elas devem ser declaradas pelo valor de aquisição."
Como esse tipo de "moeda" não possui cotação oficial, uma vez que não há um órgão responsável pelo controle de sua emissão, não há uma regra legal de conversão dos valores para fins tributários. Entretanto, essas operações deverão estar comprovadas com documentação hábil e idônea para fins de tributação, segundo a Receita.
Essa exigência apresenta alguns problemas: (i.) Em regra, na dinâmica das transações de moedas digitais, não há emissão de documentação comprobatória de valor de aquisição e (ii.) o documento que pode vir a comprovar o custo de aquisição é o registro da transação no blockchain (por ser imutável), todavia, não há uma regulamentação específica sobre como deve ser emitido este documento no caso das moedas digitais, definindo a forma e objeto do documento, e, consequentemente, a sua validade. Essa brecha abre margem para diferentes interpretações.
Ainda, segundo a Receita Federal, os ganhos obtidos com a alienação de moedas virtuais cujo total alienado no mês seja superior a R$ 35.000,00 até o patamar de R$ 5.000.000,00 são tributados, a título de ganho de capital, à alíquota de 15%; acima disto a alíquota é de 17,5% sobre a parcela dos ganhos que exceder R$ 5.000.000,00 e não ultrapassar R$ 10.000.000,00; alíquota de 20% sobre a parcela dos ganhos que exceder R$ 10.000.000,00 e não ultrapassar R$ 30.000.000,00; e por fim aplica-se a alíquota de 22,5% sobre a parcela dos ganhos que ultrapassar R$ 30.000.000,00.
O recolhimento do imposto sobre a renda deve ser feito até o último dia útil do mês seguinte ao da transação. As operações deverão estar comprovadas com documentação hábil e idônea (Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional - CTN, art. 118; Instrução Normativa SRF nº 84, de 11 de outubro de 2001; e Instrução Normativa SRF nº 599, de 28 de dezembro de 2005).
No caso das Pessoas Jurídicas, não existe nenhum entendimento sobre o tema pela Receita Federal. Essa omissão joga no limbo da insegurança jurídica as Pessoas Jurídicas que desejam operacionalizar suas atividades por meio de moedas digitais e estar em conformidade com a lei, para evitar riscos fiscais.
Em relação ao ganho de capital pela pessoa física e sua tributação, a Receita Federal não deixa claro quais são os limites da aplicação do entendimento acima exposto. Tributa-se tudo ou existem exceções? O ganho de capital advém da troca das moedas digitais para moedas correntes, e/ou incide também sobre transações que utilizam as moedas digitais como meio de pagamento para aquisição ou venda de bens e serviços? Estas e outras questões ainda não foram esclarecidas e certamente irão gerar futuros litígios.
Ainda, pode-se questionar se as moedas digitais não poderiam ser objeto de outros impostos, como o ITCMD de competência Estadual, a incidir em uma eventual herança que contenha moedas digitais, ou no caso de ISSQN, imposto municipal, em relação a serviços prestados mediante transações de criptomoedas.
No caso do Imposto de Renda e a sua incidência sobre operações de ganho de capital decorrentes de moedas digitais, reputamos lícito ao Fisco exigir o tributo na medida em que o artigo de lei que disciplina o fato gerador do tributo (art. 43 do CTN) adota termos abrangentes, possibilitando a incidência da exação fiscal sobre este fato:
Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:
I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;
(..)
- 1oA incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção.
Essa possibilidade não afasta eventual ilegalidade em relação às obrigações acessórias exigidas pela Receita Federal em relação ao dever de apresentação de documentos para comprovar certos aspectos das transações.
No caso dos outros impostos do Sistema Tributário Nacional (ICMS, ISSQN etc), para que estes incidam sobre as operações envolvendo moedas digitais, se faz necessário que o Poder Legislativo crie normas específicas regulando a tributação das criptomoedas. Não pode um ente Federado subitamente entender que sobre determinado fato deve incidir um tributado, é necessária a elaboração de norma específica, respeitando os direitos e garantias dos contribuintes que limitam o Poder de Tributar do Estado. Essa exigência resulta, em um primeiro plano, da garantia fundamental da legalidade tributária, constitucionalmente tutelada no art. 150, inciso I da CF:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;
Constata-se que não há uma definição consolidada da natureza jurídica das moedas digitais, o que provoca incertezas sobre a tributação, gerando insegurança jurídica para os usuários perante o Fisco.
Em que pese a falta de regulamentação, esse "livre mercado" bilionário vem crescendo a cada ano e certamente os Estados não deixarão passar desapercebido essa oportunidade de arrecadação aos cofres públicos. Nesse sentido, está em tramitação na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 2303, de 2015, que "dispõe sobre a inclusão das moedas virtuais e programas de milhagem aéreas na definição de 'arranjos de pagamento' sob a supervisão do Banco Central".
Como o Banco Central irá supervisionar as moedas virtuais é uma incógnita, já que suas transações são feitas por usuários anônimos. Assim, a autoridade financeira ou a Receita Federal, em regra, só tem condições de fiscalizar as moedas virtuais se o próprio usuário declarar espontaneamente sua movimentação.
Fonte:
http://eesp.fgv.br/noticias/oferta-de-criptomoeda-entra-na-mira-da-cvm
https://medium.com/@neylor/moeda-eletr%C3%B4nica-ou-criptomoeda-%C3%A9-real-86131ef55e38